Resumo do Projeto

Maricá abriga o maior programa de renda básica da América Latina. Desde sua criação em 2013, a política passou por diferentes formatos. O desenho atual foi feito em dezembro de 2019, quando foi ampliada para incluir mais de 42 mil dos 165 mil residentes de Maricá.

O benefício tem o potencial de retirar dezenas de milhares de pessoas da pobreza e influenciar debates sobre programas de transferência de renda em todo o mundo. O Jain Family Institute, líder global em pesquisa de renda básica, fez uma parceria com a Universidade Federal Fluminense para lançar um estudo em larga escala do programa, combinando métodos quantitativos e qualitativos.

A seguir, apresentamos detalhes sobre o programa e um breve contexto sobre a renda básica no Brasil. Nosso estudo está em fase de desenho de pesquisa; ao concluirmos nosso plano de análise e coletarmos nossa primeira rodada de dados, compartilharemos atualizações neste site.

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O que é o Programa?

 
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O programa de renda básica em Maricá é chamado Renda Básica de Cidadania (RBC). Após uma grande expansão em 2019, atualmente cerca de 42,5 mil pessoas – aproximadamente um em cada quatro residentes do município - são beneficiadas pelo programa de renda básica.

Cada um dos beneficiários, que moram em Maricá há pelo menos três anos e pertencem a domicílios com renda familiar mensal de até três salários mínimos (R$ 3.636), recebem, regularmente, um pagamento mensal de R$ 130, pago em Mumbucas, moeda digital de circulação restrita a Maricá. Entre abril de 2020 e dezembro de 2021, em resposta à crise do Covid-19, a transferência mais do que dobrou de valor, aumentando temporariamente para R$ 300 mensais. Em maio de 2022, o valor do pagamento foi permanentemente ampliado para R$ 200, correspondente a mais de 95% da linha de pobreza individual.

O programa Renda Básica de Cidadania faz parte de um esforço mais amplo para criar uma “Economia Solidária” na cidade. Essa iniciativa inclui um banco comunitário, o Banco Mumbuca, que administra a moeda local e tem um programa de microcrédito que oferece empréstimos a juro zero a residentes e a pequenas empresas da cidade. Outras políticas incluem bolsas e contas de poupança para estudantes de escolas públicas, apoio financeiro para estudo em instituições privadas do ensino superior, um sistema de transporte público gratuito na cidade, um benefício adicional para residentes indígenas e um fundo soberano, criado em dezembro de 2017 e capitalizado por royalties do petróleo, que tem a intenção de garantir a perpetuidade desses programas.

Em um país cuja linha de pobreza per capita mais utilizada equivale a R$ 210 por mês, o programa tem o potencial de beneficiar substancialmente  a qualidade de vida de dezenas de milhares e influenciar debates acadêmicos e políticos a respeito de programas de transferência de renda no Brasil e ao redor do mundo.

O Jain Family Institute, com sede em Nova Iorque, EUA, e a Universidade Federal Fluminense, sediada em Niterói, Brasil, trabalham em parceria para estudar esse notável caso de renda básica em larga escala. Com apoio da prefeitura de Maricá, da Rede Brasileira de Renda Básica e de colegas ao redor do mundo, nossa equipe de pesquisa internacional conduzirá um estudo longitudinal de métodos mistos que fornecerá resultados e lições sem precedentes sobre os efeitos macro e microeconômicos da política de Maricá. Além disso, contribuirá para debates nas ciências sociais sobre políticas de bem-estar social e de transferência de renda.

O que é a Pesquisa?

O cerne do estudo é uma pesquisa de métodos mistos, envolvendo beneficiários, não-beneficiários e líderes comunitários.

Os três componentes principais são:

1

Survey domiciliar com milhares de residentes, examinando efeitos da Renda Básica de Cidadania no padrão de consumo, acesso ao crédito, trabalho, renda, bem-estar físico e psicológico, bem-estar infantil e dinâmica de relacionamentos. Esse survey foi realizado entre setembro de 2021 e abril de 2022.

2

Entrevistas semi-estruturadas com empresários locais, formuladores de políticas, políticos e outras figuras-chaves de Maricá, a serem realizadas por videoconferência a partir de dezembro de 2020.

3

Entrevistas estruturadas com 48 beneficiários e 24 não beneficiários a serem selecionados entre os respondentes da pesquisa, destinadas a investigar mais a fundo algumas questões abordadas na pesquisa quantitativa, além de outras questões relevantes às ciências sociais. Isso inclui: clientelismo, corrupção e direitos, inclusão financeira e participação no setor bancário formal, solidariedade econômica e moedas sociais; estigma, dignidade e autonomia política, e dinâmica familiar e de gênero.

Além disso, estamos estudando a circulação da moeda Mumbuca. Também monitoramos a abordagem da Renda Básica de Cidadania de Maricá nas mídias tradicionais e sociais ao longo de 2020.

Linha do Tempo

26 de junho de 2013

Lançamento do banco comunitário de Maricá, o Banco Mumbuca, e da moeda moeda digital local, a mumbuca.

2 de dezembro de 2013

Decreto 213/13 criou a programa original de renda mínima na cidade, o Renda Mínima Mumbuca, que no ano seguinte passa a pagar 85 mumbucas por mês a aproximadamente 14 mil domicílios presentes no Cadastro Único, para programas sociais do governo federal.

15 de dezembro de 2015

Um novo programa, denominado Renda Básica, é criado, pagando um adicional de 10 mumbucas por domicílio em complemento das 85 mumbucas garantidas a cada família pelo Programa Renda Mínima Mumbuca.

1º de julho de 2017

A Renda Mínima aumenta para 110 mumbucas por domicílio, e a Renda Básica para 20 mumbucas, totalizando 130 mumbucas por domicílio por mês.

19 de junho de 2019

A Lei 2.869/19 incorpora o antigo programa Renda Mínima ao novo programa de Renda Básica de Cidadania e, mais importante, o benefício passa de um pagamento mensal de 130 mumbucas por domicílio para um pagamento mensal de 130 mumbucas por indivíduo.

julho de 2019

Pesquisadores do Jain Family Institute viajaram para Maricá e se reuniram com os pesquisadores da Universidade Federal Fluminense e representantes da prefeitura para discutir as linhas de pesquisa da avaliação da Renda Básica de Maricá.

novembro-dezembro de 2019

Mais de 10.000 novos beneficiários inscrevem-se no programa durante um grande esforço de cadastramento, elevando o número total de beneficiários para 42,5 mil.

dezembro de 2019

A Universidade Federal Fluminense (UFF), a Fundação Euclides da Cunha (FEC, um instituto vinculado à UFF para apoiar a pesquisa) e o Jain Family Institute (JFI) assinam um memorando de acordo, formalizando sua colaboração.

março de 2020

Em resposta à Covid-19, a cidade de Maricá anuncia uma série de benefícios novos e ampliados para beneficiários de renda básica, pequenas empresas e trabalhadores informais e autônomos. O benefício da Renda Básica de Cidadania passa a ser de 300 mumbucas, valor em vigor de abril de 2020 a dezembro de 2021.

2020-2022

Pesquisadores da UFF e JFI conduzirão pesquisas de campo e entrevistas estruturadas e semiestruturadas que compreendem os principais componentes quantitativos e qualitativos do estudo.

maio de 2022

O valor do benefício é aumentado permanentemente para 200 mumbucas por beneficiário.

2023

Após a limpeza e análise dos dados, os pesquisadores comunicarão os resultados preliminares.

Por que a Pesquisa é Importante?

Nos últimos anos, os programas de transferência de renda têm atraído cada vez mais atenção de acadêmicos, formuladores de políticas e do público em geral em muitas partes do mundo.

A forma como as famílias de baixa renda respondem aos aumentos de renda emergiu como um elemento crucial na compreensão das escolhas de consumo, poupança e emprego das famílias, e um ingrediente central na elaboração de políticas tributárias, de transferências de renda e seguridade social (Deaton 1992; Hall e Mishkin 1982; Jappelli e Pistaferri 2010). Programas de garantia de renda, como a RBC de Maricá, são especialmente importantes como um meio possível para aliviar a pobreza, fortalecer redes de segurança social, reduzir a desigualdade econômica e combater a incerteza no mercado de trabalho. As evidências dos programas de transferência de renda até agora são animadoras. Estudos que analisaram choques positivos pontuais na renda encontraram aumento no consumo, na segurança alimentar e no bem-estar psicológico (Haushofer e Shapiro, 2016). Programas condicionais de transferência de renda, como o Earned Income Tax Credit (EITC) e o Paycheck Plus nos EUA, contribuíram para melhoria da saúde (MDRC 2018 e Forget 2011), do desempenho educacional e no mercado de trabalho (Bastian & Michelmore, 2018), e para reduzir criminalidade e reincidência (Agan & Makowski, 2018). Além disso, programas patrocinados pelo governo, como o Fundo Permanente do Alasca e o programa de transferência de renda no Irã, mostraram que as transferências não resultaram em redução da oferta de trabalho ou do nível de emprego (Jones & Marinescu 2018; Salehi-Isfahani & Mostafavi-Dehzooei 2018).

No entanto, pouco se sabe sobre como um programa permanente de renda básica, implementado pelo governo, com benefícios tão significativos quanto aos oferecidos em Maricá, afeta o bem-estar. Como a maioria dos estudos se concentrou em pilotos ou testes, em vez de políticas permanentes, têm sido difícil avaliar os impactos macroeconômicos ou entender as mudanças nas trajetórias socioeconômicas das famílias beneficiadas.

Nosso estudo do programa de RBC de Maricá preenche essas lacunas. Ao estudar uma política existente que oferece pagamentos relativamente altos e permanentes com saturação parcial, estamos bem posicionados para estudar efeitos de equilíbrio geral no nível da economia local. Nossa capacidade de mensurar esses efeitos é ampliada ainda mais pela decisão de Maricá de pagar os benefícios da RBC em mumbucas, moeda local com paridade de um para um com o real, e de circulação restrita à própria cidade. Além disso, a interdisciplinaridade do nosso estudo de métodos mistos amplia seu potencial explicativo, permitindo-nos contribuir para debates vitais em andamento nas ciências sociais.

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Além dessas descobertas amplamente valiosas, é provável que nossa colaboração internacional tenha um impacto significativo nas políticas públicas no Brasil. Pioneiro global no combate à pobreza, amplamente celebrado pelo sucesso de seu programa Bolsa Família (veja abaixo), em 2004 o Brasil tornou-se o único país a tornar lei o direito de todos os cidadãos a uma renda básica, o que seria realizado de acordo com a disponibilidade orçamentária do governo federal, priorizando inicialmente os mais necessitados. A política de Maricá pode ser observada sob essa ótica, podendo vir a servir de modelo para outros municípios. O fato de que o próprio Bolsa Família seguiu uma trajetória semelhante, unificando várias iniciativas locais pré-existentes, demonstra o potencial da RBC de impactar a política nacional de bem-estar social no sexto país mais populoso do mundo.

Sobre o Programa Bolsa Família

Ao unificar programas de menor escala e que ofereciam benefícios de uso predeterminado (gás, alimentação etc.), o principal programa de transferência condicionada de renda do Brasil, o Bolsa Família, foi criado em 2004 e expandido substancialmente nos anos seguintes, até ser substituído pelo Auxílio Brasil, em 2022. O número de famílias beneficiárias aumentou de 6 milhões em 2004 para um pico de 14 milhões em 2015, e o valor médio do benefício praticamente triplicou no período (Souza et al, 2019). Evidências sugerem que o programa contribuiu para redução dos níveis de pobreza e desigualdade, melhorias na nutrição e na saúde, aumento da frequência e diminuição do insucesso escolar, sem redução da oferta de mão-de-obra (Campello e Neri, 2013; Silva, 2019; Souza et al. 2019). Em que pesem todas as realizações do programa, ele permaneceu muito restritivo em pelo menos quatro sentidos: (a) suas linhas de elegibilidade eram muito baixas - R$ 89 per capita para famílias sem crianças e R$ 178 para aquelas com crianças - deixando fora de seu alcance milhões de famílias vulneráveis; (b) os benefícios eram baixos, com um valor médio de cerca de R$ 190 por família imediatamente antes da crise do Covid-19; (c) os beneficiários deviam cumprir uma série de condicionalidades; (d) os benefícios eram calculados por família e não por indivíduo.

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